domingo, 25 de dezembro de 2011

Feliz Natal! (porque?)

Tá tarde e abafado, até o vento é quente. Charme, sono, calor, proximidade, borboletas no estomago, sussurros. Ele chegou bem perto do jeito dele de agir como se tudo fosse normal e fácil demais, um abraço apertado com uns desejos educados no ouvido, nada demais. Estamos conversando, ele está reclamando porque eu não fiz algo direito, eu estou respondendo que pelo menos eu sei como fiz, estamos rindo, sorrindo. Ele está mais perto do que deveria, bêbado e perto demais, uma mão no meu cabelo e um sussurro rápido com uma piadinha sobre os lugares que eu freqüento, sorri, estou tímida, fico tímida perto dele, ele fala muito. Deus, ele fala demais. Eu estou rindo porque ele não consegue ficar calado e estou falando sobre a roupa dele, estou com frio, ele está suando, ele estragou o próprio celular deixando ele cair na água. Eu quero um favor, ele se aproxima, ele está tentadoramente próximo, charmoso, sussurrando sobre como ele irá cobrar o favor, o calor do corpo dele está inundando o meu, não estou olhando para seu rosto fino e charmoso porque sei que vou perder o pouco controle, enquanto pareço calma na sua frente, na minha cabeça eu já arranquei essa sua blusa goiaba e joguei em qualquer lugar por ai, está quente. Eu sorrio e sussurro charmosa também para que ele faça as coisas pelo bem de seu espírito, ele ri. Peço, ele reclama que não é culpa dele. Ele está bêbado demais pra voltar pra casa sozinho, estou me oferecendo pra acompanhar ele, ele está pegando a minha mão e me levando pelo caminho, estou ansiosa demais pra deixar que ele a segure, tiro gentilmente minha mão da mão quente dele, estamos falando de animais, eu amo gatos e ele é sensato demais porque é tão irresponsável que não tem nem um passarinho para dar água, estou rindo de novo porque ele é fofo e engraçado. Ele está reclamando porque não gosta do clima que cria ir a festas com a ex namorada, estou sorrindo porque sei mais ou menos como é, ele me pede pra não sumir, sorrio e digo que não sou eu quem sumo. É a coisa mais emocionante que temos, a proximidade resultante de uma conversa estranha no meio de uma madrugada estranha, o corpo dele desperta a minha curiosidade, meu corpo não responde bem a comandos quando ele está perto, estou apaixonada, ele está bêbado.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

A moça do pó compacto

A moça com o pó compacto mais claro que o tom da pele parecia estar sempre mal humorada, pegava o ônibus cheio, ia de pé mais da metade do caminho, mantinha os olhos fixos do lado de fora. Hoje em especial ela estava resmungona e no mínimo trinta e três vezes mais mal humorada. O motorista não parecia disposto a ajudar, dando solavancos de tempos em tempos. Alguém pelo amor de Deus diga a essa mulher que o pó dela está muito mais claro que o tom da pele dela. Era isso que quase todos no ônibus pensavam, os que não pensavam não tinham nem se dado ao trabalho de olhar para a moça do pó compacto. A mulher sentada no fundo comentou com a amiga “Dá pra perceber de longe que ela tá usando maquiagem, isso deveria parecer mais natural”, velha mal educada que senta de pernas abertas e por isso ocupa dois acentos, não vê que tá todo mundo cansado depois de uma noite mal dormida? A moça de pó não se importa, mas escuta, franze o cenho e joga a cabeça pra trás, espantando a voz da velha e mostrando que a opinião dela não tem a mínima importância. O menino que parece menina sentado no fundo do ônibus coloca o celular pra tocar, um funk escroto e que ninguém quer ouvir, todos olham pra ele desaprovando e ele finge que não é com ele, a moça com o pó não se importa. Uma senhora rechonchuda vai descer do ônibus e prensa a moça do pó contra as poltronas, ela faz uma careta e resmunga algo que não se pode entender, bate com a mão na calça como se estivesse limpando-a e olha feio pra senhora, que não tem culpa, logo em seguida uma outra mulher passa para descer do ônibus e a moça puxa a bolsa de maneira rude, todos no ônibus já estão prestando atenção nela.  Depois das duas senhoras saírem a moça do pó senta no fundo, ao lado do menino que parece menina que escuta musicas sem fone de ouvido, eu vou descer do ônibus na próxima parada, ele também. Depois de levantar para sair do ônibus ouvi o gritinho dela. “Ai!” ela exclamou ao fundo, olhei pra trás, os olhos dela pareciam marejados, por Deus, esse menino-menina a havia machucado mesmo ou quem sabe ela só estivesse muito triste e qualquer coisa no mundo a faria chorar naquele momento, qualquer coisa boba como um esbarrão acionava um dispositivo nela que fazia com que ela demonstrasse todo o sofrimento dela em apenas um gesto, ninguém no ônibus se importava, todos estavam ocupados demais pensando que a maquiagem dela estava no tom errado, ninguém se preocupava com a dor dela, a dorzinha no fundo do coração partido da moça com o pó mais claro que o tom de pele, eu quis dizer a ela que tudo ficaria bem, quis dizer a ela que passaria, porque passa mesmo, queria dizer a ela que entendia e que me importava, queria que ela sorrisse e deixasse uma lagrimazinha atrevida escapar, mas naquele momento o ônibus parou e as pessoas começaram a descer e a moça do pó ficou lá, sentada, afastada, mal humorada, magoada, sofrendo no fundo do ônibus, os olhos dela estavam longe, nem se preocupou em olhar pra minha meia rasgada, porque o sofrimento dela era muito maior do que a aparência de qualquer pessoa do mundo, até a dela.